Refletindo como um espelho
Paulo utiliza diversas imagens para explicar o que pretende transmitir,
como o véu, a prisão, o teatro ou o espelho.
Espelho no chão refletindo o céu (Inga Gezalian / Unsplash)
O apóstolo fala na sua segunda Carta aos Coríntios (3:15-18) sobre os
judeus que não reconhecem Cristo e depois apresenta uma imagem do que deve ser
o cristão. Para isso utiliza um conjunto de metáforas a fim de ilustrar o seu
pensamento.
O véu
O véu é um tecido
que encobre, mas não totalmente. Paulo explica que a lei de Moisés para os
judeus era como uma espécie de véu que não permitia ver com nitidez: “E
até hoje, quando é lido Moisés, o véu está posto sobre o coração deles” (v 15). Este era o
véu da lei mosaica que não lhes permitia ver o Messias de Israel.
Mas logo de
seguida explica que tal véu será tirado quando se converterem a Cristo: “Mas,
quando se converterem ao Senhor, então o véu se tirará” (v 16). Só então
eles poderão ver a realidade espiritual com toda a nitidez.
A
prisão
A prisão é um
lugar que restringe a liberdade da pessoa.
Assim, a
postura do cristão não será cobrir o rosto com qualquer véu – seja o véu da lei
de Moisés ou de um sistema religioso qualquer – mas permanecer de rosto
descoberto, o que significa sem máscaras.
O teatro
O teatro é a
arte de representação da vida, isto é, a vida em palco.
A máscara era tradicional no teatro grego naqueles dias e a
cultura secular no I século era de forte influência helénica. Com a máscara o
actor representava uma dada personagem no palco. Mas ela pode significar também
a hipocrisia, uma vez que esconde o rosto do actor.
Por isso, o
apóstolo procurou contrastar a máscara do actor no teatro com o seu próprio
rosto, descoberto, pois só assim podemos reflectir a glória do Senhor que em
nós habita, como um espelho: “Mas todos nós, com rosto
descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados
de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor” (v 18).
O
espelho
O espelho
reflecte uma determinada imagem. Neste caso trata-se duma imagem que não é
física mas moral e espiritual. A mensagem verbal e não verbal que passamos aos
outros entende-se através da nossa postura, isto é, os nossos actos e palavras,
que os outros podem observar.
O apóstolo
Tiago também recorre à metáfora do espelho na sua epístola. Mas enquanto Tiago
fala dum reflexo da nossa própria imagem frente ao espelho, no confronto com a
Palavra de Deus (1:23,24), Paulo refere-se à capacidade de reflectir para os
outros o Cristo que está em nós, como um espelho (II Coríntios 3:18).
No fundo é disso que o mundo
necessita, de ver Cristo e não os cristãos. Mas se os cristãos não reflectem o
seu Senhor sem máscaras, de rosto descoberto, ao contrário dos actores no
antigo teatro grego, se apenas podemos ver neles o ego de cada um, o reflexo da
sua organização eclesiástica, dos seus princípios doutrinários particulares ou
da sua agenda política, Cristo vai permanecer escondido.
As pessoas andam azedas devido à pandemia
e à incerteza, um pouco em todo o mundo. Mas os filhos de Deus podem e devem
reflectir a glória do Senhor no seu rosto descoberto, sem as máscaras da
religiosidade, da moralidade, da superioridade ou quaisquer outras. Até
porque, “é
necessário que ele cresça e que eu diminua” (João 3:30).
Nasceu em Lisboa (1954), é casado,
tem dois filhos e um neto. Doutorado em Psicologia, Especialista em Ética e em
Ciência das Religiões, é director do Mestrado em Ciência das Religiões na
Universidade Lusófona, em Lisboa, coordenador do Instituto de Cristianismo
Contemporâneo e investigador.
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